sábado, 29 de janeiro de 2011

       
OXAGUIAN - TORNA-SE REI DE EJIGBÔ 




OXAGUIAN  


Exê êêê 



Oxaguian é Oxalá moço. Sempre de branco. Usa espada, escudo e mão de pilão. Guerreiro, seu dia da semana é sexta-feira. Come cabra e é o dono do inhame. 

Oxaguian era o filho de Oxalufã. 

Ele nasceu em Ifé, bem antes de seu pai tornar-se o rei de Ifan. 

Oxaguian, valente guerreiro, desejou, por sua vez, conquistar um reino. 

Partiu, acompanhado de seu amigo Awoledjê. 

Oxaguian não tinha ainda este nome. Chegou num lugar chamado Ejigbô e aí tornou-se Elejigbô (Rei de Ejigbô). Oxaguian tinha uma grande paixão por inhame pilado, comida que os iorubás chamam iyan. Elejigbô comia deste iyan a todo momento; comia de manhã, ao meio-dia e depois da sesta; comia no jantar e até mesmo durante a noite, se sentisse fazio seu estômago! Ele recusava qualquer outra comida, era sempre iyan que devia ser-lhe servido. 

Chegou ao ponto de inventar o pilão para que fosse preparado seu prato predileto! Impressionados pela sua mania, os outros orixás deram-lhe um cognome: Oxaguian, que significa "Orixá-comedor-de-inhame-pilado", e assim passou a ser chamado. 

Awoledjê, seu companheiro, era babalaô, um grande advinho, que o aconselhava no que devia ou não fazer. Certa ocasião, Awoledjê aconselhou a Oxaguiã oferecer: dois ratos de tamanho médio; dois peixes, que nadassem majestosamente; duas galinhas, cujo fígado fosse bem grande; duas cabras, cujo leite fosse abundante; duas cestas de caramujos e muitos panos brancos. Disse-lhe, ainda, que se ele seguisse seus conselhos, Ejigbô, que era então um pequeno vilarejo dentro da floresta, tornar-se-ia, muito em breve, uma cidade grande e poderosa e povoada de muitos habitantes. 

Depois disso Awoledjê partiu em viagem a outros lugares. Ejigbô tornou-se uma grande cidade, como previra Awoledjê. Ela era arrodeada de muralhas com fossos profundos, as portas fortificadas e guardas armados vigiavam suas entradas e saídas. 

Havia um grande mercado, em frente ao palácio, que atraía, de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias e escravos. Elejigbô vivia com pompa entre suas mulheres e servidores. Músicos cantavam seus louvores. Quando falava-se dele, não se usava seu nome jamais, pois seria falta de respeito. Era a expressão Kabiyesi, isto é, Sua Majestade, que deveria ser empregada. 

Ao cabo de alguns anos, Awoledjê voltou. Ele desconhecia, ainda, o novo esplendor de seu amigo. Chegando diante dos guardas, na entrada do palácio, Awoledjê pediu, familiarmente, notícias do "Comedor-de-inhame-pilado". Chocados pela insolência do forasteiro, os guardas gritaram: "Que ultraje falar desta maneira de Kabiyesi! Que impertinência! Que falta de respeito!" E caíram sobre ele dando-lhe pauladas e cruelmente jogaram-no na cadeia. 

Awoledjê, mortificado pelos maus tratos, decidiu vingar-se, utilizando sua magia. Durante sete anos a chuva não caiu sobre Ejigbô, as mulheres não tiveram mais filhos e os cavalos do rei não tinham pasto. Elejigbô, desesperado, consultou um babalaô para remediar esta triste situação. "Kabiyesi, toda esta infelicidade é consequência da injusta prisão de um dos meus confrades! É preciso soltá-lo, Kabiyesi! É preciso obter o seu perdão!" 

Awoledjê foi solto e, cheio de ressentimento, foi-se esconder no fundo da mata. Elejigbô, apesar de rei tão importante, teve que ir suplicar-lhe que esquecesse os maus tratos sofridos e o perdoasse. 

"Muito bem! - respondeu-lhe. Eu permito que a chuva caia de novo, Oxaguiã, mas tem uma condição: Cada ano, por ocasião de sua festa, será necessário que você envie muita gente à floresta, cortar trezentos feixes de varetas. Os habitantes de Ejigbô, divididos em dois campos, deverão golpear-se, uns aos outros, até que estas varetas estejam gastas ou quebrem-se". 

Desde então, todos os anos, no fim da sêca, os habitantes de dois bairros de Ejigbô, aqueles de Ixalê Oxolô e aqueles de Okê Mapô, batem-se todo um dia, em sinal de contrição e na esperança de verem, novamente, a chuva cair. 

A lembrança deste costume conservou-se através dos tempos e permanece viva, tanbém, na Bahia. 

Por ocasião das cerimônias em louvor a Oxaguiã, as pessoas batem-se umas nas outras, com leves golpes de vareta... e recebem, em seguida, uma porção de inhame pilado, enquanto Oxaguiã vem dançar com energia, trazendo uma mão de pilão, símbolo das preferências gastronômicas do Orixá "Comedor-de-inhame-pilado." 

Exê ê! Baba Exê ê! 



(Do livro "Lendas Africanas dos Orixás de Pierre Fatumbi Verger e Carybé - Editora Currupio) 





Águas de Oxalá

Este episódio da vida de Oxalufã é comemorado, a cada ano, em todos os terreiros de candomblé da Bahia, no dia da "Água de Oxalá" - quando todo mundo veste-se de branco e vai buscar água em silêncio, para lavar os axés, objetos sagrados de Oxalá.




Lendas

... o povo busca água para Osalufan

Êpa Babá!

Oxalufã era o rei de Ilu-ayê, a terra dos ancestrais, na longínqua África. Ele estava muito velho, curvado pela idade e andava com dificuldade, apoiado num grande cajado, chamado opaxorô.

Um dia, Oxalufã decidiu viajar em visita a seu velho amigo Xangô, rei de Oyó. Antes de partir, Oxalufã consultou um babalaô, o adivinho, perguntando-lhe se tudo ia correr bem e se a viagem seria feliz. O babalaô respondeu-lhe
: "Não faça esta viagem. Ela será cheia de incidentes desagradáveis e acabará mal." 

Mas Oxalufã tinha um temperamento obstinado, quando fazia um projeto, nunca renunciava. Disse então ao babalaô: "Decidi fazer esta viagem e eu a farei, aconteça o que acontecer!" 

Oxalufã perguntou ainda ao babalaô, se oferendas e sacrifícios melhorariam as coisas. Este respondeu-lhe: "Qualquer que sejam suas oferendas, a viagem será desastrosa." E fez-lhe ainda algumas recomendações: "Se você não quiser perder a vida durante a viagem, deverá aceitar fazer tudo que lhe pedirem. Você não deverá queixar-se das tristes consequências que advirão. Será necessário que você leve três panos brancos. Será necessário que você leve, também, sabão e limo da costa."

Oxalufã partiu, então, lentamente, apoiado no seu opaxorô. Ao cabo de algum tempo, ele encontra Exú Elepô,
Exú "dono do azeite de dendê". Exu estava sentado à beira da estrada, com um grande pote cheio de dendê.

_ Ah! Bom dia Oxalufã, como vai a família?, pergunta Exú.

_ Oh! Bom dia Exu Elepô, como vai também a sua?

_ Ah! Oxalufã, ajude-me a colocar este pote no ombro.

_ Sim Exu, sim, sim, com prazer e logo.

Mas de repente, Exu Elepô virou o pote sobre Oxalufã. Oxalufã ficou coberto de azeite e seu pano 
inutilizável. Exu, contente do seu golpe, aplaudia e dava gargalhadas. Oxalufã, seguindo os conselhos do babalaô, ficou calmo e nada reclamou. Foi limpar-se no rio mais próximo. Passou o limo da costa sobre o corpo e vestiu-se com um novo pano; aquele que usava ficou perto do rio, como oferenda.

Oxalufã retomou a estrada, andando com lentidão, apoiado no seu opaxorô. Duas vezes mais ele encontrou-se com Exu. Uma vez, com Exu Onidú, Exu "dono do carvão"; Outra vez, com Exu Aladi, "dono do óleo do caroço de dendê". Duas vezes mais, Oxalufã foi vítima das armadilhas de Exu, ambas semelhantes à primeira. Duas vezes mais, Oxalufã sujeitou-se às consequências. Exu divertiu-se às custas dele, sem que conseguisse, contudo, tirar-lhe a calma. Oxalufã trocou, assim, seus últimos panos, deixando na margem do rio os que usava, como oferenda. E continuou corajosamente seu caminho, apoiado em seu opaxorô, até que passou a fronteira do reino de seu amigo Xangô.

Kawo Kabiyesi, Xangô Alafin Oyó, Alayeluwa! "Saudemos Xangô, Senhor do Palácio de Oyó, Senhor do Mundo!"

Logo, Oxalufã viu um cavalo perdido que pertencia a Xangô. Ele conhecia o animal, pois havia sido ele que, há tempos, lhe oferecera. Oxalufã tentou amansar o cavalo, mostrando-lhe uma espiga de milho, para amarrá-lo e devolvê-lo a Xangô. Neste instante, chegaram correndo os servidores do palácio. Eles estavam perseguindo o animal e gritaram: "Olhem o ladrão de cavalo! Miserável, imprestável, amigo do bem alheio! Como
os tempos mudaram; roubar com esta idade!! Não há mais anciãos respeitáveis! Quem diria? Quem acreditaria?"

Caíram todos sobre Oxalufã, cobrindo-o de pancadas. Eles o agarraram e arrastaram-no até a prisão. Oxalufã, lembrando-se das recomendações do babalaô, permaneceu quieto e nada disse. Ele não podia queixar-se, mas podia vingar-se. Usou então seus poderes, do fundo da prisão. Não choveu mais, a colheita estava comprometida, o gado dizimado; as mulheres estéreis, as pessoas eram vitimadas por doenças terríveis. Durante sete anos, o reino de Xangô foi devastado.

Xangô, por sua vez, consultou um babalaô, para saber a razão de toda esta desgraça. "Kabiyesi 
Xangô," respondeu-lhe o babalaô, tudo isto é consequência de um ato lastimável. Um velho sofre, injustamente, preso há sete anos. Ele nunca se queixou, mas não pense no entanto... Eis a fonte de todas as desgraças!"

Xangô fez vir diante dele o tal ancião. "Ah! Mas vejam só!" - gritou Xangô. "É você, Oxalufã! Êpa Baba! Exe ê!!

Absurdo! É inacreditável, vergonhoso, imperdoável!!! Ah! Você, Oxalufã, na prisão! Êpa Baba!! Não posso acreditar e, ainda por cima, preso por meus próprios servidores! Hei! Todos vocês! Meus generais! Meus cavaleiros, meus eunucos, meus músicos! Meus mensageiros e chefes de cavalaria! Meus caçadores! Minhas mulheres, as ayabás!

Hei! Povo de Oyó! Todos e todas, vesti-vos de branco em respeito ao rei que veste branco!

Todos e todas, guardai o silêncio em sinal de arrependimento!

Todos e todas vão buscar água no rio! É preciso lavar Oxalufã!

Êpa Baba! Êpa, Êpa!

É preciso que ele nos perdoe a ofensa que lhe foi feita!!!
(Do livro "Lendas Africanas dos Orixás de Pierre Fatumbi Verger e Carybé - Editora Currupio)